Augusta Scheer

No último dia 25 de maio, o General Data Protection Regulation (GDPR) completou quatro anos de vigência, e a <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/lgpd-e-anpd-saiba-o-que-sao-e-entenda-as-diferencas-entre-a-lei-e-o-orgao-13042022">Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)</a> em breve completará dois. Nesse período, profissionais de variadas áreas, como direito, compliance e TI, passaram por grandes adaptações para atender às legislações.
Entretanto, decorrido algum tempo desde a entrada em vigor dos diplomas legais mencionados, importa analisar o impacto que as leis de proteção de dados vem exercendo para além da comunidade de profissionais dedicados à matéria de proteção de dados.
Certamente pode-se afirmar que foram aprimorados os parâmetros de segurança e confidencialidade no trato com dados pessoais; entretanto, importa sempre frisar que o direito à proteção de dados pessoais não é um direito absoluto.
Desde sua origem, que remonta a meados do século 20 na Europa, as leis de proteção de dados são marcadas por um forte pragmatismo: não se trata de impedir a coleta e o uso de dados das pessoas físicas — pelo contrário, a positivação da matéria de proteção de dados vem acompanhada de um ímpeto de modernização das iniciativas de coleta e utilização de dados pessoais, pois um dos objetivos do legislador, ao regular a matéria, é o de promover o dinamismo econômico e a inovação.
Dessa forma, as leis de proteção de dados pessoais já nascem sob a premissa de que as informações das pessoas físicas serão utilizadas por empresas e órgãos públicos para as mais diversas finalidades. Trata-se de um fato inexorável da realidade altamente informatizada em que vivemos: dados pessoais são elementos indispensáveis para as atividades econômicas e administrativas, não podendo o Estado ou os agentes econômicos prescindir de sua utilização.
No estágio de desenvolvimento tecnológico em que nos encontramos, a coletividade tem determinadas necessidades que só podem ser devidamente atendidas com a utilização de técnicas de ciência de dados cujo funcionamento frequentemente está atrelado à utilização de dados pessoais dos indivíduos. Dessa forma, a utilização de dados pessoais da população é peça-chave na criação de produtos e serviços benéficos — quiçá imprescindíveis — para a coletividade.
A pandemia de Covid-19 apresentou alguns exemplos dessa imprescindibilidade da coleta e tratamento de dados pessoais da população — no caso, para proporcionar uma estratégia eficaz de combate à disseminação do coronavírus.
A utilização de dados pessoais referentes à geolocalização de pessoas infectadas foi fundamental na <a href="https://jhumanitarianaction.springeropen.com/track/pdf/10.1186/s41018-020-00072-6.pdf">estratégia de combate à pandemia adotada pela Coreia do Sul</a>, país cujos métodos para enfrentamento do coronavírus foram considerados exemplares.
De fato, o tratamento de dados pessoais em grande escala faz parte de qualquer iniciativa tecnologicamente avançada para o enfrentamento da pandemia — o que evidencia que, atualmente, se faz necessário tratar dados pessoais da população por questões de saúde pública, e mesmo humanitárias, dentre outros motivos que guardam estreita relação com o interesse público.
Nesse sentido, a inauguração dos regimes de proteção de dados denota, de parte do legislador, uma visão prática e objetiva, apta a enfrentar desafios típicos do século 21.
Se, por um lado, a proteção de dados pressupõe que os dados dos indivíduos serão instrumentalizados, por outro lado, a positivação dos regimes de proteção de dados representa a efetivação de uma nova margem de liberdade para os indivíduos — incorporada pela noção de autodeterminação informacional.
Trata-se do direito de os indivíduos exercerem autonomia sobre suas informações pessoais — decidindo quais entidades terão acesso a quais dados pessoais; e podendo, sempre que possível, retirar o consentimento que autoriza tratamento de dados pessoais.
Também bastante atrelada à ideia de autodeterminação informacional, a transparência perante os titulares de dados é bastante enfatizada pelas leis de proteção de dados.
Os controladores de dados pessoais têm uma série de deveres em face dos titulares de dados: informá-los, por meio de políticas de privacidade claras e acessíveis, o que é feito com os dados pessoais, quais outras entidades têm acesso a eles, dentre outras informações.
Outrossim, a obrigatoriedade de indicação de um encarregado pela proteção de dados (DPO) endossa o dever de transparência, pois o DPO deve servir de canal de comunicação com o público, prestando esclarecimentos aos titulares de dados e tomando providências, quando solicitadas.
Por fim, é papel das autoridades supervisoras em matéria de proteção de dados promover o conhecimento do assunto na sociedade, educando a população acerca de seus direitos como titulares de dados pessoais — entre os quais se inclui o direito a que seus dados sejam tratados com a devida segurança e confidencialidade, de maneira que o risco da ocorrência de vazamentos de dados seja minimizado.
Nesse sentido, a inauguração dos regimes de proteção de dados propõe, em última instância, uma mudança cultural: uma das finalidades da lei é conscientizar a sociedade acerca do fundamental papel desempenhado por dados pessoais para a economia e gestão pública. Conforme determinam as leis de proteção de dados, é importante que a utilização de dados pessoais para essas finalidades seja acompanhada de medidas de segurança robustas e eficazes.
Com as leis de proteção de dados, a utilização de dados pessoais passa a dever ser acompanhada de uma série de cuidados. Além de adotar as já mencionadas medidas de segurança, para realizar tratamento de dados, o controlador deve colher consentimento livre, específico e informado; o titular de dados deve ser notificado caso haja mudanças significativas na política de privacidade; passa a ser possível o exercício, pelo titular de dados, dos direitos de acesso, correção, exclusão, portabilidade, dentre outros.
Essa nova “liturgia” que passa a acompanhar o tratamento de dados pessoais sob o regime das leis de proteção de dados deve ter como consequência uma maior difusão do assunto na sociedade. Idealmente, as pessoas tomarão decisões refletidas e terão percepção da extensão na qual seus dados pessoais são utilizados, e por quais entidades. À vista disso, saberão valorizar a segurança de seus dados pessoais como um aspecto primordial da vida cotidiana em pleno século 21.
Não se pode minimizar a importância de incidentes como o da Cambridge Analytica nesse contexto de mudança legislativa e cultural. Vazamento de dados mais conhecido da história, o incidente vulnerabilizou dados pessoais de 87 milhões de usuários do Facebook, incluindo informações sensíveis relacionadas à opinião política dos usuários — das quais agentes políticos se aproveitaram para manipular eleições, comprometendo a integridade de pleitos eleitorais em diversos países.
Com os atuais regimes de proteção de dados, passa a ser proibida a coleta de dados sem que os respectivos titulares sejam informados — o que notadamente ocorreu no caso da Cambridge Analytica — e dados de caráter sensível, entre os quais se inclui a opinião política, passam a contar com um regime mais rigoroso de proteção.
Seja para proteger minorias étnicas, políticas, religiosas, sexuais etc. — cujas características que as distinguem passam a ser resguardadas pelo regime aplicável aos dados pessoais considerados sensíveis —, seja para conscientizar a sociedade do peso econômico, administrativo e — como demonstrado pelo incidente da Cambridge Analytica — político dos dados pessoais na atualidade, as leis de proteção de dados desempenham importante papel social.
Nesse sentido, o objetivo declarado de tais leis, que é o de prevenir vazamentos de dados pessoais, pode ser considerado absolutamente estratégico no contexto contemporâneo, porque, como visto, tais incidentes podem ter consequências catastróficas, que colocam em risco a democracia e os direitos humanos nas sociedades contemporâneas.

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JOTA

Leis de proteção de dados são importantes para a promoção da democracia e dos direitos humanos

O papel social das leis de proteção de dados pessoais

Mais do que prevenir vazamentos, as leis de proteção de dados desempenham papel importante na promoção da democracia e dos direitos humanos